segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Os Objectos Trans-Neptunianos hectométricos, estão lá ou não?

Em Agosto de 2006, publicámos no Astronomical Journal a primeira detecção de Objectos Trans-Neptunianos (TNOs, ou Objectos da Cintura de Kuiper) com centenas de metros de diâmetro: Roques et al., 2006, Exploration of the Kuiper Belt by High-Precision Photometric Stellar Occultations: First Results, AJ, 132, 819-822. Esta descoberta implica a existência de uma grande população de pequenos objectos, no Sistema Solar, entre as 50 e as 150 Unidades Astronómicas, região que anteriormente todas as observações astronómicas indicavam encontrar-se vazia. O Observatório de Paris emitiu um comunicado de imprensa sobre a descoberta.

Utilizando técnicas de ocultação estelar, i.e. diminuição da luminosidade de uma estrela pela passagem de um objecto à sua frente, foi possível a detecção de dois objectos para além de Neptuno: um a uma distância ao Sol de 140 Unidades Astronómicas (1 UA = distância média da Terra ao Sol, i.e. 150 milhões de kilómetros) com 320 metros de diâmetro, e outro, o mais distante, a 210 UA com 300 metros. Foi também detectado um terceiro objecto com 110 metros a uma distância de 15 UA. Estes objectos foram também os objectos mais distantes do Sistema Solar até hoje detectados.

Existem muitos objectos no Sistema Solar cuja órbita em certos momentos ultrapassa as 100 e 200 UA, porém foram sempre detectados quando se encontravam mais próximos do Sol. Além do mais, todos os Objectos Trans-Neptunianos detectados anteriormente foram detectados por observação directa, i.e. imagem física do objecto. Devido às enormes distâncias a que se encontram e à capacidade actual dos maiores telescópios do mundo todos os TNOs detectados por imagem directa possuem diâmetros superiores à dezena de kilómetros.

Os três objectos anunciados foram detectados analizando cerca de 2 milhões de imagens obtidas em duas noites de observação com o Telescópio William Hershell (WHT), de 4.2 metros (La Palma, Ilhas Canárias). Imagens estas com a duração de 2 centésimos de segundo cada e realizadas a intervalos de menos de um milésimo de segundo.

No mesmo mês de Agosto, é publicado na Nature, independentemente, a detecção de 58 objectos Trans-Neptunianos de diâmetros inferiores as 100 m: Chang et al, 2006, Occultation of X-rays from Scorpius X-1 by small trans-neptunian objects, Nature, 442, 660-663. Neste caso detectados com dados do satélite de raios-X RXTE (NASA), utilizando um método semelhante.

Com estes dois trabalhos parecia segura a existência de "TNOs hectométricos". No entanto, acaba de estar disponível no astro-ph o artigo Jones et al., 2007, Millisecond Dips in Sco X-1 are Likely the Result of High-Energy Particle Events (ainda não aceite para publicação) afirmando que as detecções de Chang et al. (2006) não são, de facto, pequenos TNOs mas sim "raios-cósmicos" que acertaram nos detectores do RXTE.

Este trabalho não invalida o de Roques et al (2006) mas diminui, para já, a sua força ao invalidar as detecções independentes de Chang et al. (2006). Apesar da possível não-detecção de TNOs hectométricos com o RXTE, continuo convencido que as detecções com o WHT são reais. Eles existem e outros serão detectados.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Colisões de Cometas na Nebulosa da Hélice


[Imagem: NASA/JPL-Caltech/Univ. Arizona]

Kate Su (Universidade do Arizona, EUA) e colaboradores, descobrem evidências de um elevado número de colisões entre cometas na Nebulosa da Hélice, utilizando o
Telescópio Espacial Spitzer (NASA)
.
A Nebulosa da Hélice está a cerca de 700 anos-luz de distância da Terra e é a fase final de uma estrela semelhante ao Sol: uma anã branca rodeada por uma distante nuvem de gases e poeiras.
O Telescópio Spitzer opera no infra-vermelho não obtendo, portanto, imagens no visível como o Telescópio Hubble. Porém, é capaz de detectar a radiação térmica quer de objectos próximos mas muito pequenos quer de objectos a enormes distâncias. As diferentes intensidades da radiação detectadas são transformadas em cores falsas para assim se criar uma imagem.
A equipa de Kate Su conseguiu detectar um excesso de "brilho térmico" entre as 35 e as 150 Unidades Astronómicas (1 UA = Distância da Terra ao Sol = 150 000 000 km) de distância da anã branca no centro da Nebulosa da Hélice, muito provavelmente devido a um disco de poeiras. Não se esperava encontrar poeiras a tais distâncias numa estrela deste tipo. No entanto, no nosso Sistema Solar, à mesma distância do Sol, encontra-se a Cintura de Kuiper que é, na verdade, um grande reservatório de cometas que, simplificando, não são mais que "bolas de gelo e poeiras". É então muito provável que as poeiras detectadas tenham sido libertadas por um grande número de colisões entre cometas que orbitam, ou orbitavam, a estrela central da nebulosa.

O comunicado de imprensa do Spitzer está disponível on-line.

O resumo do artigo: Su et al., 2007, Debris Disk around the Central Star of the Helix Nebula?, Astrophysical Journal Letters, Vol. 657, L41-L46, está também disponível.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

A definição de planeta é apenas para o Sistema Solar

Ao trocar uns mails com o José Matos, apercebi-me que não é imediatamente claro que a definição de planeta da IAU diz respeito apenas aos objectos do Sistema Solar.

Num artigo na revista "Sky & Telescope" de Novembro 2006, Owen Gingerich, do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics (USA), membro do comité da IAU para a definição de planeta, conta o que aconteceu. Enquanto se procurava estabelecer uma expressão para o domínio gravitacional da região orbital de um objecto, foi também decidido restringir a definição apenas ao Sistema Solar. A evolução dinâmica do nosso Sistema Solar não se aplica necessariamente aos outros sistemas planetários.

Este assunto presta-se a alguma confusão. Em 2003, a IAU, através do "Working Group on Extrasolar Planets" (WGESP) emitiu uma declaração sobre a definição de planeta (extra-solar) [minha tradução]:

1) objectos com massas abaixo da massa crítica para a fusão termonuclear do deutério (calculado actualmente em 13 massas de Jupiter para objectos de metalicidade solar) que orbitem em torno de estrelas ou remanescentes estelares, são "planetas" (independentemente de como se formaram). O tamanho / massa mínimo(a) para que um objecto extra-solar seja considerado um planeta deve ser o mesmo que o utilizado no nosso sistema solar.

2) os objectos de sub-estelares com massas acima da massa crítica para a fusão termonuclear do deutério são "anãs castanhas", independentemente de onde se encontram ou de como se formaram.

3) os objectos gravitacionalmente desligados em enxames estelares jovens com massas abaixo da massa crítica para a fusão termonuclear do deutério não são "planetas" mas sim "sub-anãs castanhas" (ou o que nome que se considere mais apropriado).

Esta declaração não pretendia adquirir o estatuto de definição canónica mas sim de definição evolutiva. É porém óbvio que no futuro dever-se-á encontrar uma definição estrita.

A história do processo envolvendo a definição de planeta vem bastante detalhada na Wikipedia (ver: Planet; 2006 Redefinition of Planet; Definition of Planet). No entanto, a entrada "Planet" dá a ilusão que a IAU também criou uma definição estrita para os planetas extra-solares, quando ainda não é o caso.