Em Agosto de 2006, publicámos no Astronomical Journal a primeira detecção de Objectos Trans-Neptunianos (TNOs, ou Objectos da Cintura de Kuiper) com centenas de metros de diâmetro: Roques et al., 2006, Exploration of the Kuiper Belt by High-Precision Photometric Stellar Occultations: First Results, AJ, 132, 819-822. Esta descoberta implica a existência de uma grande população de pequenos objectos, no Sistema Solar, entre as 50 e as 150 Unidades Astronómicas, região que anteriormente todas as observações astronómicas indicavam encontrar-se vazia. O Observatório de Paris emitiu um comunicado de imprensa sobre a descoberta.
Utilizando técnicas de ocultação estelar, i.e. diminuição da luminosidade de uma estrela pela passagem de um objecto à sua frente, foi possível a detecção de dois objectos para além de Neptuno: um a uma distância ao Sol de 140 Unidades Astronómicas (1 UA = distância média da Terra ao Sol, i.e. 150 milhões de kilómetros) com 320 metros de diâmetro, e outro, o mais distante, a 210 UA com 300 metros. Foi também detectado um terceiro objecto com 110 metros a uma distância de 15 UA. Estes objectos foram também os objectos mais distantes do Sistema Solar até hoje detectados.
Existem muitos objectos no Sistema Solar cuja órbita em certos momentos ultrapassa as 100 e 200 UA, porém foram sempre detectados quando se encontravam mais próximos do Sol. Além do mais, todos os Objectos Trans-Neptunianos detectados anteriormente foram detectados por observação directa, i.e. imagem física do objecto. Devido às enormes distâncias a que se encontram e à capacidade actual dos maiores telescópios do mundo todos os TNOs detectados por imagem directa possuem diâmetros superiores à dezena de kilómetros.
Os três objectos anunciados foram detectados analizando cerca de 2 milhões de imagens obtidas em duas noites de observação com o Telescópio William Hershell (WHT), de 4.2 metros (La Palma, Ilhas Canárias). Imagens estas com a duração de 2 centésimos de segundo cada e realizadas a intervalos de menos de um milésimo de segundo.
No mesmo mês de Agosto, é publicado na Nature, independentemente, a detecção de 58 objectos Trans-Neptunianos de diâmetros inferiores as 100 m: Chang et al, 2006, Occultation of X-rays from Scorpius X-1 by small trans-neptunian objects, Nature, 442, 660-663. Neste caso detectados com dados do satélite de raios-X RXTE (NASA), utilizando um método semelhante.
Com estes dois trabalhos parecia segura a existência de "TNOs hectométricos". No entanto, acaba de estar disponível no astro-ph o artigo Jones et al., 2007, Millisecond Dips in Sco X-1 are Likely the Result of High-Energy Particle Events (ainda não aceite para publicação) afirmando que as detecções de Chang et al. (2006) não são, de facto, pequenos TNOs mas sim "raios-cósmicos" que acertaram nos detectores do RXTE.
Este trabalho não invalida o de Roques et al (2006) mas diminui, para já, a sua força ao invalidar as detecções independentes de Chang et al. (2006). Apesar da possível não-detecção de TNOs hectométricos com o RXTE, continuo convencido que as detecções com o WHT são reais. Eles existem e outros serão detectados.
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007
Os Objectos Trans-Neptunianos hectométricos, estão lá ou não?
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