segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Cometa Holmes maior que o Sol

Anteriormente, o Sol era o maior objecto no Sistema Solar. Presentemente, o cometa 17P/Holmes possui essa distinção.

Medições da coma do cometa Holmes, de observações realizadas a 9 de Novembro 2007, por Rachel Stevenson, Jan Kleyna e Pedro Lacerda, mostram que o seu diâmetro já atingiu os 1400 milhões de kilómetros. Um valor ligeiramente superior ao diâmetro do Sol.

O comunicado de imprensa lançado pela nossa equipa [em inglês] pode ser consultado na página do IfA ou directamente aqui.

O fenómeno foi noticiado pelo jornal Star Bulletin [clique aqui para ler (em inglês)].



[Legenda: À esquerda imagem do cometa Holmes utilizando o telescópio de 3.6 metros CFHT, situado no Mauna Kea, Hawaii, exibindo uma coma de 1400 milhões de kilómetros. O ponto de aparência estelar no centro da coma é o núcleo envolto numa muito densa nuvem de poeiras. À direita temos o Sol e o planeta Saturno na mesma escala para comparação directa dos tamanhos (cortesia da NASA).]

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Holmes: Um Estudo em Vermelho

A recente e impressionante "explosão" de actividade do cometa 17P/Holmes gerou uma verdadeira corrida para obter tempo de telescópio. Não fomos excepção. Para nossa grande felicidade a noite de quinta-feira, 25 de Outubro, do telescópio de 2.2 metros da Universidade do Hawaii, situado no Mauna Kea (Hawaii, EUA) estava atribuída a Pedro Lacerda para o estudo de pequenos corpos do Sistema Solar. De imediato David Jewitt, Pedro Lacerda, Jan Kleyna, eu, Rachel Stevenson e Bin Yang nos acotovelámos na pequena sala de controlo do telescópio enquanto se alterava o programa de observações para um estudo do cometa Holmes. Pode-se ver aqui uma das imagens obtidas.


[Legenda: Imagem do cometa 17P/Holmes em cores falsas laranja e vermelhas que representam a intensidade da luz reflectida pelo material ejectado pelo núcleo do cometa. A imagem foi obtida no telescópio UH2.2m com um tempo de exposição total de 21 segundos.]

A coma circular, quase perfeitamente circular, tem um diâmetro de aproximadamente 160000 km (quase metade da distância da Terra à Lua) e expande-se a uma velocidade de cerca de 2000 km/h. Tudo indica que o cometa se fragmentou. No entanto, devido à intensa sublimação de gelos e ejecção de poeiras que rodeiam o cometa não se conseguem distinguir nenhuns eventuais fragmentos (pelo menos para já). Até agora ainda não se detectou nenhuma cauda. É possível que não seja ainda visível devido à lua cheia e ao grande clarão que esta lança no céu, o que nos impede de ver os fenómenos mais ténues.

O jornal "Star Bulletin" dedicou um artigo ao assunto [clique aqui para ver].

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

... E o Asteróide Baptistina Extinguiu os Dinossauros.

Há 160 milhões de anos era um asteróide de 170 km de diâmetro orbitando entre Marte e Júpiter [na Cintura (de Asteróides) Principal interior, a 2.26 Unidades Astronómicas do Sol]. Uma enorme colisão deixou-o com apenas 40 km espalhando mais de 1000 pequenos asteróides maiores que 1 km (fragmentos). Assim nasceram o actual asteróide (298) Baptistina e sua família de asteróides. Muito lentamente, as órbitas dos fragmentos saídos desta colisão acabaram por se cruzar com a da Terra produzindo uma chuva de asteróides (meteoritos). Os impactos produzidos por esta chuva estão muito provavelmente na origem da extinção maciça de espécies do Cretácico, há 65 milhões de anos, entre as quais os dinossauros.

São estas as principais conclusões do artigo de Bottke, Vokrouhlicky e Nesvorny publicado na revista Nature desta semana [Bottke, Vokrouhlicky & Nesvorny (2007), "An asteroid breakup 160 Myr ago as the probable source of the K/T impactor", Nature, 449, 48-51]. Apenas o "sumário do editor" e o sumário do artigo [abstract] são de acesso livre [em inglês].

sábado, 16 de junho de 2007

Cometas na Cintura de Asteróides: a reactivação do 133P/Elst-Pizzaro

Dave Jewitt, Pedro Lacerda e eu, acabámos de detectar a reactivação do cometa 133P [ver a figura]. Esta reactivação surge um pouco antes do esperado [ver a Circular do IAU, comentada, no fim deste post]. O 133P é um dos três "cometas da cintura principal" (CCPs) conhecidos [i.e. cometas na cintura principal de asteróides, que se encontra entre Marte e Júpiter], cujo diâmetro rondará os 5 km.






[Legenda: Cometa 133P ao centro da imagem. A figura é uma soma de várias imagens centradas no cometa (que se vai movendo) daí as estrelas parecem arrastadas]


Esta nova classe de cometas foi apenas identificada em 2006, por H. Hsieh e D. Jewitt [ver também o comunicado de imprensa].

A existência destes cometas no "meio" da cintura de asteróides ilustra bem o quanto ainda há para saber sobre os cometas e os asteróides. Principalmente sobre a distinção entre estas duas classes de objectos. [Não é apenas a distinção entre planeta, planeta anão e pequeno corpo que é polémica!]

Uma consequência imediata da existência destes cometas da cintura principal (CCPs) é poderem ter sido uma fonte significativa da água na Terra. As actuais medições de cometas anteriormente conhecidos sugerem que estes apenas poderão ser responsáveis por uma parte da água na Terra (cerca de 10%). Porém, estes novos CCPs não aparentam ser antigos cometas de curto período [digamos: cometas típicos] que alteraram a sua órbita para a cintura de asteróides, aparentando sim serem "nativos" daquela região. Assim sendo, os CCPs poderão ter, e provavelmente terão, uma composição química apreciavelmente diferente dos cometas típicos. Estes novos cometas podem muito bem conter os segredos da origem dos nossos oceanos.


Circular No. 8847 [comentada]

Central Bureau for Astronomical Telegrams

INTERNATIONAL ASTRONOMICAL UNION

COMETA 133P/ELST-PIZARRO

D. Jewitt, P. Lacerda, e N. Peixinho, Universidade do Hawaii, comunicam que o cometa 133P/Elst-Pizarro = pequeno corpo (7968) Elst-Pizarro se tornou activo após um longo período de inactividade. Observações no óptico [visível] com o telescópio de 2.2 m da Universidade do Hawaii, a 11 de Junho, mostram uma cauda direita com pelo menos 20 segundos de arco de comprimento [correspondendo a pelo menos 26000 km, dado o objecto se encontrar a 1.812 Unidades Astronómicas da Terra] num ângulo posicional de 256 graus [ângulo com o Pólo Norte Celeste, neste caso o topo da imagem, medido no sentido anti-horário]. A magnitude aparente no vermelho [i.e. com um filtro centrado no comprimento de onda de cerca de 650 nm] dentro de uma abertura de 8 segundos de arco [...] é aproximadamente de 19.5. Actividade no 133P foi observada na última vez em Dezembro de 2002. O ressurgimento de actividade próximo do periélio [ponto da órbita em que o objecto está mais próximo do Sol, a acontecer no dia 29 de Junho de 2007] é consistente com a identificação deste objecto como um pequeno corpo portador de gelos [não apenas água mas também outros como por exemplo: metano, monóxido de carbono, dióxido de carbono] ou "cometa da cintura principal" (Hsieh et al. 2004, Astronomical Journal, vol. 127, pag. 2997). Encorajam-se observações para caracterizar a evolução da perda de massa [devido à sublimação dos gelos e libertação de poeiras] nos próximos meses.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

O Planeta Anão Eris: maior e mais maciço que Plutão.

O objecto trans-Neptuniano, e planeta anão, Eris, volta à carga. Mike Brown e Emily Schaller, publicaram na revista Science a medição da massa conjunta de Eris e sua lua Dysnomia através dos parâmetros orbitais da lua Dysnomia (ver os links).

Para a determinação da órbita de Dysnomia foram utilizados o telescópio de 10 metros Keck (Mauna Kea, Hawaii) e o Telescópio Espacial Hubble (de 2.4 metros).

A lua Dysnomia, orbita em torno de Eris a uma distância de 17430 km com um período orbital 15.77 dias. Eris e Dysnomia, juntos, possuem uma massa de 1.66x10^22 kg, ou seja: 27% mais maciços que Plutão. Dado o diâmetro de 2400 km de Eris, conclui-se que possui uma densidade de 2.3 g/cm^3. Um valor semelhante ao dos maiores Objectos Trans-Neptunianos que contrasta com as densidades típicas dos trans-Neptunianos mais pequenos (menores que 1 g/cm^3).

Estes resultados parecem confirmar que os Objectos Trans-Neptunianos mais pequenos são mais porosos e menos ricos em material rochoso que os maiores.

quarta-feira, 14 de março de 2007

Objectos Trans-Neptunianos feitos em cacos

Mike Brown e colaboradores descobrem a primeira família colisional de Objectos Trans-Neptunianos, também conhecidos por objectos da Cintura de Kuiper. Os resultados já haviam sido anunciados por K. Barkume, aluna de doutoramento de Mike Brown, em Outubro de 2006 na conferência da Division for Planetary Sciences, em Pasadena, E.U.A. O artigo acaba de sair na revista Nature (Brown et al. 2007, Nature, 446, 294-296).

O trabalho identifica um grupo de Objectos Trans-Neptunianos (abreviado por TNOs) como os "restos" resultantes de uma violenta colisão entre dois corpos. Este grupo de TNOs era caracterizado pela presença de fortes bandas de absorção devido ao gelo de água na sua superfície, não se detectando a presença de gelo de metano. Note-se que 3 dos maiores TNOs, Plutão (2320 km de diâmetro), Eris (2400 km) e 2005FY9 (cerca de 1600-2000 km) possuem gelo de metano na sua superfície. Os TNOs sem metano normalmente revelam pouco ou nenhum gelo de água (falamos aqui apenas da superfície, o interior é outra questão). Porém os objectos: 2003EL61 (cerca de 1500 km), 1995SM55, 1996TO66, 2002TX300, 2003OP32, 2005RR43 e o S/2005(2003EL61)1 - o satélite mais brilhante do 2003EL61-, possuem fortes bandas de absorção devido ao gelo de água não se detectando a presença de gelo de metano. Este facto chamou a atenção para estes objectos.

Uma análise da sua dinâmica orbital mostrou que todos estes objectos possuem órbitas semelhantes à do 2003EL61 concluindo-se que são de facto os "restos" da colisão entre o proto-2003EL61 (i.e. o antigo 2003EL61) e um outro objecto. As simulações sugerem que 20% da massa do proto-2003EL61 pode ser lançada para o espaço se colidir com um objecto de 60% do seu tamanho a cerca de 3 km/s (10000 km/h).

O facto do 2003EL61 ter a forma de uma bola de râguebi, possuir dois satélites, ter uma densidade de massa bastante elevada e um "dia" de apenas 4 horas era já um indicador que, no passado, este objecto tinha sofrido uma colisão violenta que ejectara o seu manto de gelos original deixando-o com dois satélites e forma de melão.

Para nos apercebermos da dificuldade desta descoberta, imaginemos uma "festa" numa loja de faianças em que cada pessoa tem um bastão de basebol... No dia seguinte vamos olhar para os cacos e tentar descobrir se havia um dálmata de loiça e onde estava sentado. A comparação não é exagerada.

O estudo dos Trans-Neptunianos, feito nos limites das capacidades dos maiores telescópios, continua a surpreender.

sexta-feira, 9 de março de 2007

Plutão: uma questão de Estado!?

A questão do estatuto de Plutão parece persistir para além do razoável. O estado do Novo México (EUA) pretende declarar Plutão como um planeta e chamar ao dia 13 de Março o "Dia do Planeta Plutão", ainda que aparentemente apenas este ano (ver os links para esta notícia e para a proposta legislativa ).

A descoberta de Plutão foi anunciada a 13 de Março de 1930, por Clyde Tombaugh. O anuncio foi propositadamente feito nesse dia por ser também o dia do aniversário de Persival Lowell. Lowell tinha proposto a existência de um planeta para além de Neptuno, chamando-lhe Planeta-X. Apesar dos seus esforços para detectar o Planeta-X, chegando a fundar o Observatório Lowell (Flagstaff, Arizona, EUA), faleceu em 1916 não o conseguindo observar.

A definição de planeta pode ser algo subjectiva e delicada. Mas, na verdade, do ponto de vista do estudo de Plutão pouco importa como é classificado. Está lá, é interessante, logo estuda-se. A proposta do Novo México até é engraçada se a virmos como elogio fúnebre. Mas se a moda pega ainda poderemos começar a ver o "Dia da Terra Plana", o "Dia do Geocentrismo", ou mesmo o "Dia do Criacionismo".

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Os Objectos Trans-Neptunianos hectométricos, estão lá ou não?

Em Agosto de 2006, publicámos no Astronomical Journal a primeira detecção de Objectos Trans-Neptunianos (TNOs, ou Objectos da Cintura de Kuiper) com centenas de metros de diâmetro: Roques et al., 2006, Exploration of the Kuiper Belt by High-Precision Photometric Stellar Occultations: First Results, AJ, 132, 819-822. Esta descoberta implica a existência de uma grande população de pequenos objectos, no Sistema Solar, entre as 50 e as 150 Unidades Astronómicas, região que anteriormente todas as observações astronómicas indicavam encontrar-se vazia. O Observatório de Paris emitiu um comunicado de imprensa sobre a descoberta.

Utilizando técnicas de ocultação estelar, i.e. diminuição da luminosidade de uma estrela pela passagem de um objecto à sua frente, foi possível a detecção de dois objectos para além de Neptuno: um a uma distância ao Sol de 140 Unidades Astronómicas (1 UA = distância média da Terra ao Sol, i.e. 150 milhões de kilómetros) com 320 metros de diâmetro, e outro, o mais distante, a 210 UA com 300 metros. Foi também detectado um terceiro objecto com 110 metros a uma distância de 15 UA. Estes objectos foram também os objectos mais distantes do Sistema Solar até hoje detectados.

Existem muitos objectos no Sistema Solar cuja órbita em certos momentos ultrapassa as 100 e 200 UA, porém foram sempre detectados quando se encontravam mais próximos do Sol. Além do mais, todos os Objectos Trans-Neptunianos detectados anteriormente foram detectados por observação directa, i.e. imagem física do objecto. Devido às enormes distâncias a que se encontram e à capacidade actual dos maiores telescópios do mundo todos os TNOs detectados por imagem directa possuem diâmetros superiores à dezena de kilómetros.

Os três objectos anunciados foram detectados analizando cerca de 2 milhões de imagens obtidas em duas noites de observação com o Telescópio William Hershell (WHT), de 4.2 metros (La Palma, Ilhas Canárias). Imagens estas com a duração de 2 centésimos de segundo cada e realizadas a intervalos de menos de um milésimo de segundo.

No mesmo mês de Agosto, é publicado na Nature, independentemente, a detecção de 58 objectos Trans-Neptunianos de diâmetros inferiores as 100 m: Chang et al, 2006, Occultation of X-rays from Scorpius X-1 by small trans-neptunian objects, Nature, 442, 660-663. Neste caso detectados com dados do satélite de raios-X RXTE (NASA), utilizando um método semelhante.

Com estes dois trabalhos parecia segura a existência de "TNOs hectométricos". No entanto, acaba de estar disponível no astro-ph o artigo Jones et al., 2007, Millisecond Dips in Sco X-1 are Likely the Result of High-Energy Particle Events (ainda não aceite para publicação) afirmando que as detecções de Chang et al. (2006) não são, de facto, pequenos TNOs mas sim "raios-cósmicos" que acertaram nos detectores do RXTE.

Este trabalho não invalida o de Roques et al (2006) mas diminui, para já, a sua força ao invalidar as detecções independentes de Chang et al. (2006). Apesar da possível não-detecção de TNOs hectométricos com o RXTE, continuo convencido que as detecções com o WHT são reais. Eles existem e outros serão detectados.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Colisões de Cometas na Nebulosa da Hélice


[Imagem: NASA/JPL-Caltech/Univ. Arizona]

Kate Su (Universidade do Arizona, EUA) e colaboradores, descobrem evidências de um elevado número de colisões entre cometas na Nebulosa da Hélice, utilizando o
Telescópio Espacial Spitzer (NASA)
.
A Nebulosa da Hélice está a cerca de 700 anos-luz de distância da Terra e é a fase final de uma estrela semelhante ao Sol: uma anã branca rodeada por uma distante nuvem de gases e poeiras.
O Telescópio Spitzer opera no infra-vermelho não obtendo, portanto, imagens no visível como o Telescópio Hubble. Porém, é capaz de detectar a radiação térmica quer de objectos próximos mas muito pequenos quer de objectos a enormes distâncias. As diferentes intensidades da radiação detectadas são transformadas em cores falsas para assim se criar uma imagem.
A equipa de Kate Su conseguiu detectar um excesso de "brilho térmico" entre as 35 e as 150 Unidades Astronómicas (1 UA = Distância da Terra ao Sol = 150 000 000 km) de distância da anã branca no centro da Nebulosa da Hélice, muito provavelmente devido a um disco de poeiras. Não se esperava encontrar poeiras a tais distâncias numa estrela deste tipo. No entanto, no nosso Sistema Solar, à mesma distância do Sol, encontra-se a Cintura de Kuiper que é, na verdade, um grande reservatório de cometas que, simplificando, não são mais que "bolas de gelo e poeiras". É então muito provável que as poeiras detectadas tenham sido libertadas por um grande número de colisões entre cometas que orbitam, ou orbitavam, a estrela central da nebulosa.

O comunicado de imprensa do Spitzer está disponível on-line.

O resumo do artigo: Su et al., 2007, Debris Disk around the Central Star of the Helix Nebula?, Astrophysical Journal Letters, Vol. 657, L41-L46, está também disponível.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

A definição de planeta é apenas para o Sistema Solar

Ao trocar uns mails com o José Matos, apercebi-me que não é imediatamente claro que a definição de planeta da IAU diz respeito apenas aos objectos do Sistema Solar.

Num artigo na revista "Sky & Telescope" de Novembro 2006, Owen Gingerich, do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics (USA), membro do comité da IAU para a definição de planeta, conta o que aconteceu. Enquanto se procurava estabelecer uma expressão para o domínio gravitacional da região orbital de um objecto, foi também decidido restringir a definição apenas ao Sistema Solar. A evolução dinâmica do nosso Sistema Solar não se aplica necessariamente aos outros sistemas planetários.

Este assunto presta-se a alguma confusão. Em 2003, a IAU, através do "Working Group on Extrasolar Planets" (WGESP) emitiu uma declaração sobre a definição de planeta (extra-solar) [minha tradução]:

1) objectos com massas abaixo da massa crítica para a fusão termonuclear do deutério (calculado actualmente em 13 massas de Jupiter para objectos de metalicidade solar) que orbitem em torno de estrelas ou remanescentes estelares, são "planetas" (independentemente de como se formaram). O tamanho / massa mínimo(a) para que um objecto extra-solar seja considerado um planeta deve ser o mesmo que o utilizado no nosso sistema solar.

2) os objectos de sub-estelares com massas acima da massa crítica para a fusão termonuclear do deutério são "anãs castanhas", independentemente de onde se encontram ou de como se formaram.

3) os objectos gravitacionalmente desligados em enxames estelares jovens com massas abaixo da massa crítica para a fusão termonuclear do deutério não são "planetas" mas sim "sub-anãs castanhas" (ou o que nome que se considere mais apropriado).

Esta declaração não pretendia adquirir o estatuto de definição canónica mas sim de definição evolutiva. É porém óbvio que no futuro dever-se-á encontrar uma definição estrita.

A história do processo envolvendo a definição de planeta vem bastante detalhada na Wikipedia (ver: Planet; 2006 Redefinition of Planet; Definition of Planet). No entanto, a entrada "Planet" dá a ilusão que a IAU também criou uma definição estrita para os planetas extra-solares, quando ainda não é o caso.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Plutão não é um planeta

Em 1992, Jewitt & Luu identificam o primeiro Objecto Trans-Neptuniano: 1992QB1. A Cintura de Kuiper, cuja existência se especulava desde os anos 30, fora descoberta. Presentemente, já foram identificados mais de 1200 objectos na Cintura de Kuiper. Fazendo parte desta cintura, Plutão viu a sua a classificação como planeta comprometida. Após o anúncio da descoberta de Eris (2003UB313) por Brown, Trujillo & Rabinowitz, em 2005, Plutão ficou definitivamente condenado.

A questão pode parecer estranha mas não existia uma definição estrita de planeta. A distinção entre planeta e estrela é ainda assunto de bastante debate no que concerne aos planetas extra-solares. Porém, relativamente ao Sistema Solar todos acreditávamos saber quem era e quem não era planeta. Bastou uma reunião para se concluir que não o sabemos como gostaríamos.

A União Astronómica Internacional (IAU), na sua XXVI Assembleia Geral, em Praga, de 16 a 24 de Agosto de 2006, propunha-se a estabelecer uma definição de planeta. A proposta inicial, na sua essência, estabelecia apenas a massa e a esfericidade como critérios para que um objecto que não fosse um satélite fosse um planeta. De certa forma estabelecia-se que apenas o tamanho interessava: Plutão continuaria um planeta. Porém, após imenso debate foi decidido tomar também em consideração, como critério adicional, o controlo gravitacional da sua região orbital. Ou seja, era agora também necessário ter limpado a sua região orbital de outros objectos: Plutão já não seria um planeta. Foi também acordado que a definição de planeta se restringiria apenas aos objectos do Sistema Solar. Os planetas extra-solares continuam sem uma definição precisa.

No dia 24, foi aprovada a Resolução 5A [tradução do site da IAU ]:

"[...] A IAU decide, consequentemente, que “planetas” e outros corpos no nosso Sistema Solar, excepto satélites, sejam definidos em três categorias distintas da seguinte forma:

(1) Um “planeta" (ver nota 1) é um corpo celeste que (a) está em órbita em torno do Sol, (b) tem massa suficiente para que sua auto-gravidade supere as forças de corpo rígido de modo que assuma uma forma de equilíbrio hidrostático (quase esférica), e (c) limpou a vizinhança em torno de sua órbita. 

(2) “Um planeta anão” é um corpo celeste que (a) está em órbita em torno do Sol, (b) tem massa suficiente para que sua auto-gravidade supere as forças de corpo rígido de modo que assuma uma forma de equilíbrio hidrostático (quase esférica) - ver nota 2-, (c) não limpou a vizinhança em torno de sua órbita, e (d) não é um satélite.

(3) Todo os restantes objectos (ver nota 3), excepto os satélites, que orbitam o Sol serão denominados colectivamente como “pequenos corpos do Sistema Solar”.

Nota 1: Os oito “planetas” são: Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, e Neptuno.
Nota 2: Será criado um processo da IAU para colocar os objectos do limiar na categoria de planeta anão ou noutras categorias.
Nota 3: Estes incluem, actualmente, a maioria dos asteróides do Sistema Solar, a maioria dos Objectos Trans-Neptunianos (TNOs), cometas e outros pequenos corpos."

Foi também aprovada a Resolução 6A:

"[...] A IAU decide também:

Plutão é um “planeta anão” pela definição anterior e é reconhecido como o protótipo de uma nova categoria dos objectos trans-Neptunianos (ver nota 1).

Nota 1: Será criado um processo da IAU para seleccionar um nome para esta categoria."

Confesso que me agrada a despromoção de Plutão. Se Plutão tivesse sido descoberto depois de 1992 nunca teria sido classificado como planeta. Objectivamente ou não, as palavras são importantes. Porém, a nova definição possui os seus quês. Subjectivamente, não me parece muito feliz a escolha do termo "planeta anão" para algo que não é um planeta. Objectivamente, os conceitos 1b-2b e 1c-2c são mais vagos do que possa parecer e poderão surgir problemas. Não que tenha ouvido ideia melhor, note-se. O problema aqui resume-se ao Paradoxo de Sorites, atribuído a Eubulides de Mileto, que o Doutor Nuno Crato gosta de citar. Ou seja: em que ponto um monte de trigo deixa de ser um monte de trigo à medida que eu tiro grãos de trigo?

Se existirem objectos muito próximos do limiar de transição entre planeta anão e pequeno corpo, como provavelmente existirão, iremos ter situações em que um dia o objecto é um pequeno corpo por 1 km de diâmetro e no outro será um planeta anão porque foi obtida uma medição mais precisa do seu diâmetro. A questão de limpar a vizinhança será também delicada. Qual o número máximo e o tamanho mínimo de poeiras / pequenos corpos permitidos na vizinhança para que esta se considere limpa? Problemas como estes farão a delícia dos descontentes com a despromoção de Plutão.

Mas... do ponto de vista científico, será esta questão verdadeiramente importante? Em minha opinião: na prática sim, em teria não. Não: porque em teoria a Ciência não se interessará mais ou menos por Plutão, ou qualquer outro objecto, por causa de uma classificação subjectiva. Sim: porque a Ciência também vive de impactos sociais e políticos. No entanto, deste ponto de vista, penso que o saldo será positivo. Plutão pode ter perdido alguma importância aos olhos da sociedade mas, de repente, todos os outros planetas anões ganharam-na.

Notas: São imensos os artigos e opiniões sobre esta questão. Há, no entanto, dois sites de visita obrigatória: a página de David Jewitt, com particular ênfase para o artigo (em inglês) "On Pluto, perception & planetary politics", e a página de Mike Brown, um dos descontentes com a despromoção.